O ano era 1976. Em Dublin, na Irlanda, um caldeirão cultural atraía jovens para o mundo da música, oferecendo a oportunidade de muita diversão. Um garoto de 14 anos, que tocava bateria, colocou um anúncio no jornal da escola procurando outros interessados em formar uma banda. Dave, Dik, Paul e Adam se juntaram a Larry e formaram um grupo chamado Feedback. O nome mudaria para The Hype e, após a saída de Dik, o grupo seria rebatizado com o que se transformou em uma das marcas mais relevantes do mundo da música.
O U2 nasceu com um pé no punk rock e gravou seu primeiro álbum em 1980. Trinta anos depois, havia vendido cerca de 180 milhões de discos e se tornado uma daquelas bandas hors concours, a quem ninguém torce o nariz. Olhar um pouco sua história diz muito sobre consistência de marca.
Logo de início, a banda chamou a atenção por uma postura agressiva e até certo ponto panfletária, com letras profundamente religiosas ou políticas. É a época de “Sunday Bloody Sunday”, uma crítica pesada à guerra civil na Irlanda. Com uma grande presença de palco e a empolgação de quem se acha capaz de mudar o mundo, Bono (o Paul do primeiro parágrafo) catalisou uma série de valores e os incorporou ao U2. Como toda marca, desde o início o U2 definiu seus diferenciais (as características do som, a profundidade das letras, o magnetismo do time) e foi a campo vender seu peixe (ou sua música).
Lição número 1: defina quem você é e quem não é; e defenda seus valores para conquistar seu público.
Mas nenhuma marca sobrevive imutável. Ao longo dos anos, o amadurecimento dos integrantes, a vontade de experimentar e a evolução do cenário musical dos anos 80 levou o grupo à sua primeira evolução, com o uso de teclados e uma sonoridade mais etérea e menos crua. Uma fase que não nasceu da demanda dos consumidores: os fãs estavam mais que contentes com o que haviam recebido até ali, mas o U2 conseguiu angariar um novo público sem perder grande parte do primeiro e obteve um sucesso mundial. Uma fase que culminou com o álbum Joshua Tree, recordista de vendas que superou outros ícones daquele tempo, como Michael Jackson e Madonna, e trouxe reconhecimento global ao grupo.
Lição número 2: nem sempre os consumidores sabem qual inovação querem receber. É preciso experimentar e correr riscos, mantendo a integridade da marca, pois a recompensa vale muito a pena.
Hora de descansar sobre os louros? Não mesmo. Em 1991, uma radical mudança para um som mais experimental e dançante, que marcaria toda a década. Uma tentativa de responder às mudanças do mundo (fim da Guerra Fria, queda do Muro de Berlim, globalização) e de reinventar o grupo para os novos tempos. E, em si, um exemplo de que nem toda mudança agrada: depois de “Achtung, Baby!”, sucesso de público e crítica, dois álbuns considerados bem mais fracos (U2 com cara de Village People foi demais para muita gente...) e a dificuldade em criar novos sucessos. Na última metade dos anos 90, a banda perdeu relevância musical e passou a chamar mais a atenção pelos discursos panfletários e as atitudes humanitárias de Bono. Hora de repensar os rumos musicais.
Lição número 3: às vezes, mudanças radicais fazem uma marca perder seu público, sem conseguir se conectar a outro. O resultado é a perda da identidade.
Novo século, novo som. O U2 reapareceu voltando às suas origens roqueiras, mas com um som nem tão “sujo” quanto no início, nem tão melódico quanto no fim dos anos 80. Voltava, porém, a se conectar a seu público, com uma sonoridade que podia ser identificada como sua, letras com referências políticas e/ou religiosas e traços dos melhores momentos dos anos 80. O resultado? Uma nova fase de grande sucesso, com três álbuns, turnês mundiais de grande porte, multidões arrastadas para os shows e uma máquina de gerar dinheiro.
Lição número 4: ter humildade de reconhecer erros é importante, e ainda mais importante é saber retrabalhar os seus pontos fortes em um novo “pacote competitivo”.
Paralelamente a tudo isso, o U2 tem se mostrado antenado. A turnê Zôo TV, de 1991, contava com transmissões via satélite, permitindo que líderes políticos e grandes músicos convidados participassem dos shows da banda e interagissem com o público. A turnê Pop, de 1995, criticava a sociedade do consumo. Nos tours Elevation (2001) e Vertigo (2005), mais simplicidade, mas sempre com muita interação com o público consumidor e mensagens políticas aqui e ali (críticas ao militarismo, apelos pela paz mundial, etc). A atual turnê 360o teve um show transmitido mundialmente através do YouTube, no primeiro caso de um espetáculo de música transmitido ao vivo para todo o planeta pela web; e a banda tem feito um uso intenso das redes sociais para ampliar o alcance de suas mensagens.
Lição 5: Inovar no conteúdo é importante, mas também é fundamental inovar na comunicação com o público.
Com uma proposta de valor que incorpora um produto de qualidade garantida, solidez na execução, forte comunicação com o público, valores bem definidos e profundidade nas ações, o U2 é uma das bandas mais rentáveis do cenário musical mundial: em 2009, foi a líder em faturamento com ingressos na América do Norte, com US$ 123 milhões e 1,3 milhão de pessoas na audiência (quinto maior resultado da história, sendo que a banda também tem a terceira melhor marca). Em uma sociedade que valoriza o instantâneo e o efêmero, manter o sucesso por 30 anos, atravessando gerações, costumes e culturas, faz pensar e gera insights para quem está interessado em se perpetuar.
* Autoria: Renato Müller (muller@gsmd.com.br), gerente de Publicações da GS&MD
Fonte: http://www.gsmd.com.br/port/abre_artigos.aspx?id=450
segunda-feira, 22 de novembro de 2010
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